Sunday, October 24, 2010

Trabalho sobre Violência no Futebol

A violência nos estádios de futebol de um ponto de vista intrínseco e extrínseco

Resumo

A proposta deste descritivo é avaliar as causas da violência no futebol sob duas perspectivas distintas, e muitas vezes, complementares, a intrínseca e a extrínseca, além de dizer qual é a real situação brasileira quanto a este esporte.

Como intrínseca entende-se toda a violência que é oriunda do próprio esporte em si, que parte de dentro do mundo futebolístico, tendo como responsáveis diretos aqueles envolvidos com as práticas desportivas dentro dos estádios. Já a ótica extrínseca faz referência aos problemas sociais que afetam as grandes massas e estes são revelados, de maneira irracional, pela grandes massas reunidas nos estádios, como numa tentativa de fugir da realidade e expor tudo o que lhes causam opressão na sociedade.

Introdução

Todos nós sabemos que o futebol é um evento mundial, e para os críticos desportivos, é considerado o maior fenômeno social dos últimos anos. Basta olhar para o amor que os torcedores têm por seu clube para constatar como o futebol toma parte da vida de tais pessoas.

Apesar do amor supracitado, casos de violência cada vez mais freqüentes também estão presentes e acaba por afastar os torcedores dos estádios que passam a preferir o conforto e a segurança de seus lares.

O futebol já é em si considerado por muitos um esporte violento, uma vez que há contato físico e em muitos casos, agressividade física de diversas naturezas. É possível dizer também que o que a torcida assiste como sendo o “espetáculo” dentro de campo acaba servindo de exemplo a eles também, quando passam a praticar agressividade similar nas arquibancadas.

Ao participar de torcidas organizadas, as pessoas estão diante de um meio onde elas sentem-se na possibilidade de expandir diversas emoções retraídas, muitas vezes reprimidas pelo meio social do cotidiano. Assim sendo, com esta possibilidade existente, cada um começa a manifestar o verdadeiro caráter e identidade, algo geralmente reprimido na sociedade como um todo. Nestes casos, começamos a ver as pessoas terem ações que jamais teriam isoladamente no meio civil, colocando pra fora todo o sentimento de impotência e frustração pessoal, que são diluídos no coletivo das arquibancadas.

O futebol também pode ser visto como uma manifestação cultural, apresentando diversas dimensões positivas ligadas ao espetáculo, gerando alegria para muitos. Contudo, tanto no campo como na arquibancada, o oposto às vezes surge de maneira inesperada, que é a violência que acaba com o prazer de quem adora o evento desportivo.

Uma das formas mais cruéis de violência no mundo do futebol, tanto em campo quanto nas arquibancada, é o racismo. Este existe desde os primórdios do futebol, quando somente brancos e ricos podiam praticar esse esporte.

Na década de 1920, o futebol era considerado um esporte de elite, praticado somente pela classe dominante. Em grandes clubes, era proibido a entrada de negros e mestiços. Atletas negros participavam apenas em alguns clubes do subúrbio, como o Vasco da Gama no Rio de Janeiro, que chegou a ter o objetivo de desestabilizar a hegemonia das classes dominantes. Isto de fato ocorreu em 1923, quando o Vasco disputava pela primeira vez o campeonato carioca da primeira divisão, tornando-se campeão com uma equipe composta por jogadores mulatos, negros e brancos de origem humilde.

Há críticos que vêem a violência como um fator presente na vida humana desde as origens do mundo, acreditando-se até estar inscrita no coração do homem, onde o meio futebolístico é apenas um dos meios de sua manifestação.

A origem da violência nas arquibancadas não é um fato de origem simplista. Há sempre a presença de marginais nas torcidas, e a violência oriunda dessas pessoas constitui a expressão da sociedade brasileira por muitas vezes reprimidas em outras ocasiões, levando críticos a se indagar o que poderia estar acontecendo com a sociedade brasileira que ultimamente tem gerado tantas expressões de violência nos estádios de futebol.

Para alguns estudiosos, as tendências agressivas são instintivas. Para outros, a agressividade é fruto de situações determinadas, com a violência surgindo de uma frustração, ou então, diante de uma tentativa de vencer obstáculos na busca do prazer. A conseqüência é que seja como for, a violência acaba afetando a popularidade do esporte, e tal conseqüência, pode de fato ter suas causas no meio social, onde torcedores ao expressar-se de forma ilimitada, originam toda a agressividade hoje em dia presenciada.

Do ponto de vista intrínseco, diz-se que há a violência do esporte, originada dele próprio; do ponto de vista extrínseco, implica-se haver violência no esporte, trazida de fora pra dentro, de outro meio, seja por crise econômica, racismo, ou qualquer outra causa.

A violência do ponto de vista intrínseco

Aos envolvidos com a prática desportiva do futebol, ao contrário do que alguns possam pensar, não há tantos casos de violência intrínseca, dada a rigidez de normas e regras aos quais jogadores e todos os outros são constantemente envolvidos que, quando infringidas, podem ser severamente punidas pelas instituições que regem o futebol.

Entretanto, existem casos conhecidos, e alguns até famosos, de violência intrínseca, como estes abaixo:

- No dia 14 de abril de 2005, no jogo São Paulo e Quilmes, o atacante Grafite, do São Paulo, e Desábato, do time argentino, envolveram-se em um episódio onde teve seu início após uma "entrada" forte do Grafite em Arano. Com isso, Desábato aproximou-se do jogador brasileiro e proferiu várias palavras de cunho racista. Após o término do jogo, Grafite foi à polícia e relatou o caso, o que culminou com a prisão do argentino.

- No dia 17 de Junho de 2007, pelo Campeonato Brasileiro, na partida Sport de Recife e América de Natal, o técnico americano Lori Sandri saiu de campo algemado por desacato a autoridade, mostrando não saber o significado da palavra respeito.

- Na final do Campeonato Carioca de 2004, quando jogadores, técnicos, dirigentes e árbitros se agrediram fisicamente, além de outros profissionais, que proporcionaram cenas que desprezavam praticamente todas as regras de convívio e tolerância, provocando uma situação de "guerra urbana" vivida no cotidiano pelo povo brasileiro.

O futebol, além de mobilizador de massas, é modelador de comportamentos e formador de opiniões. Considerando que ele é assistido por milhares de pessoas na televisão e, ao exemplo do último caso acima do Campeonato Carioca, onde havia uma platéia formada por aproximadamente oitenta mil torcedores, a situação torna-se gravíssima, pois o efeito de tais badernas atingem proporções internas e externas. Conseqüentemente, fora do estádio, acabamos por ver violências diversas por toda a cidade, torcedores jogando objetos em árbitros e atletas, o uso de armas de fogo dentro e fora do estádio, disputas entre grupos de torcedores distintos, etc.

Os torcedores não exigem que seus ídolos adotem uma postura de cooperação e responsabilidade em campo, assumindo uma conduta de tolerância. Também, os jogadores não fazem questão alguma da imagem que eles transmitem para a nação e o mundo. Caso tais ações fossem tomadas, o Brasil poderia recuperar a real beleza da arte pela qual o país é elogiado até hoje, sendo verdadeiramente admitido como o país do futebol.

Devido à violência, jogadores desprezam muitas vezes a técnica e a tática desportiva. Isso pode acabar servindo como recurso quando não há técnica o suficiente para enfrentar determinada situação de jogo, ou então, simplesmente uma maneira de fuga da realidade, revelando a sua incapacidade de gerenciar situações adversas, sejam do próprio jogo ou em suas vidas particulares, utilizando a violência como uma fuga da realidade. Tal fuga da realidade também é praticada por torcedores, onde passam a liberar seus impulsos de maneira descontrolada diante das adversidades da vida.

A violência do ponto de vista extrínseco

Um dos principais fatores contribuintes para a violência no futebol é a existência de torcidas organizadas, responsáveis por protagonizar cenas de violência ao invés de real apoio a seus times, onde tais torcedores são identificados como vândalos, provocando momentos de terror em todos os expectadores.

A mudança de comportamento do torcedor nas arquibancadas modificou-se consideravelmente dos anos de 1980 pra cá, exatamente devido ao surgimento desta nova categoria de torcedor, o torcedor “organizado”, caracterizado por ser de natureza burocrática/militar, algo puramente urbano.

Um outro fator contribuinte para o agravamento de situações de agressões é formado pelos meios de comunicação em si que, dado o grande sensacionalismo ao qual se vinculam, acabam por produzir a impressão de que os ocorridos tem proporções muito maiores que as reais, aumentando a ira e inflamando os instintos dos espectadores.

Há três posições teóricas que definem o futebol como uma instituição que sublima a violência, julgando o esporte como degradação social, em que os torcedores são vistos como uma “horda” primitiva, anárquica e caótica, sendo possível a ocorrência de violência sem limites.

A primeira posição teórica defende o futebol como “apaziguamento das massas”, onde ele seria como uma espécie de ópio utilizado pelos torcedores para se anestesiarem, desviando-os, assim, das mazelas cotidianas e de uma conscientização política da realidade. Para as classes inferiores da sociedade, o futebol seria uma saída virtual para a situação de dominação das “classes dominantes”, alienando os torcedores com a idéia de uma realidade melhor, mesmo que isso seja através de suas expressividades ilimitadas, ali não “moderadas” pela sociedade, com o falso ganho de liberdade de seus egos.

A segunda posição teórica considera a teoria da catarse, também conhecida como teoria da “purificação” ou da “sublimação” de algumas potencialidades humanas, a exemplo da violência. Esta teoria dividi-se em dois grupos principais, sendo o primeiro, o grupo “terapêutico”, e o segundo, o grupo “perpetuador” da catarse. A primeira é otimista, ao passo que a segunda é pessimista. A teoria terapêutica considera que, pelo menos por algum tempo, após sublimar a violência em uma partida de futebol, o torcedor seguiria sua vida em sociedade de maneira aliviada. A perpetuadora já vê que o torcedor não sairia purificado de sua violência em uma partida de futebol, o que poderia colocar em risco o meio social, por sair de um jogo com os nervos à flor da pele.

A terceira posição teórica é tida como a mais preconceituosa, conhecida como a “demonização” da multidão, defendendo que o indivíduo, ao estar em uma multidão, perde a sua individualidade e identidade, realizando uma fusão de sua personalidade com a dos demais torcedores, de forma que adquira uma personalidade única que é ditada pelas ações do grupo como um todo, ou seja, literalmente, esquecendo-se de si mesmo. O resultado desse processo é aterrador, pois o indivíduo perde a sua razão, afasta-se da civilização e acaba se inundando de “instintos básicos”, principalmente os mais pavorosos, a começar pela violência. Assim sendo, a insanidade impera e como animais irracionais, o homem passa a liberar seus instintos agressivos, como um cachorro que quer atacar a todos por razões que nem ele entende, apenas por sentir-se, de forma completamente irracional, ameaçado ou perturbado.

Um fator muito preocupante para a sociedade como um todo é o envolvimento em casos de violência, em grande número, de adolescentes, mostrando que a escola junto aos pais têm uma importância considerável para amenizar os índices de violência em estádios de futebol. Também, cabe aos governantes se conscientizarem de seu papel uma vez que os impactos são sociais e globais, melhorando a infra-estrutura dos estádios, reforçando a segurança e punindo os vândalos que vão ao estádio apenas para provocarem momentos de terror aos apaixonados pelo esporte.

O interessante é que as causas da violência não podem ser atribuídas apenas a fatores estritamente econômicos, pois como nota-se em torcidas organizadas, a composição destas é variada, incluindo estudantes, pais de família, mulheres e jovens, além de pessoas que respondem processos criminais e viciados em drogas.

Em geral, o ser humano carrega dentro de si uma carga emocional de origem complexa, que varia de pessoa para pessoa, muitas vezes levando as pessoas a agirem através da emoção e sem racionalidade apropriada, podendo conduzi-los para uma explosão de alegria, ou então, para uma de tristeza.

Como causas externas, podemos considerar como alguns fatores originadores de violência:

- a má distribuição de renda;

- exploração dos dirigentes esportivos e líderes de torcida;

- efeitos da criminalidade;

- ausência de expectativa de futuro nos jovens;

- ausência do Estado, enquanto mentor de políticas públicas de formação social;

- efeitos da pobreza;

- etc.



A imagem brasileira como o país do futebol dominado pela violência

Campeão da Copa das Confederações, pentacampeão mundial de futebol e atual líder do ranking da FIFA, o Brasil também lidera o ranking da violência relacionado ao futebol.

Quarenta e duas pessoas foram mortas envolvendo torcidas, dentro e nas imediações de estádios, entre 1999 e 2008. Os dados são confiáveis, pois são verificáveis pelos Institutos Médicos Legais (IMLs) e delegacias. Desta forma, o Brasil ultrapassa a Itália e a Argentina, assumindo a liderança mundial da violência no futebol.

A violência que mancha o nosso futebol é reflexo das mazelas sociais que campeiam pelo Brasil, violência esta que cresce à medida que aumentam a impunidade e a malversação dos recursos públicos. O pior é que tantos acontecimentos põe em cheque a possibilidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo em 2014, uma vez que a segurança pública é um dos principais quesitos da FIFA.

Dada a rivalidade insana do futebol, onde torcidas uniformizadas entram em guerra movidos pela paixão por seus times, “o povão” chega a se envolver com futebol mais do que com questões ligadas à religião ou à família. Infelizmente, neste mundo dominado pela irracionalidade, a “paixão” pelo esporte acaba acobertando verdadeiras escolas do crime.

O tema revela uma profunda crise de valores pela qual a sociedade contemporânea é vítima. A violência vai, paulatinamente, consolidando-se como uma linguagem universal entre os jovens. Hoje em dia, com o auxílio da internet, “gangues” de torcidas marcam encontros, utilizando o futebol para canalizar suas energias, deflagrando cenas de revolta e brutalidade insana.

O vazio cultural também encontra-se presente nos jogadores de futebol, e de todo o planeta, cujos hábitos e valores já não servem mais de exemplo como outrora, ajudando a definir a imagem de que futebol, comércio e violência formam um nó cego de difícil separação.

Poucos sabem, mas existe o chamado Estatuto de Defesa do Torcedor (em vigência desde 2003), que necessita ser melhor divulgado, revelando os direitos e deveres, e como cobrar providências por parte dos clubes e do poder público.

A violência nos estádios de futebol deveria ser tratada com mais responsabilidade pelas autoridades brasileiras uma vez que é o esporte mais praticado pela nação e também, considerado em todo mundo como um grande espetáculo desportivo, sendo o Brasil, inclusive, conhecido como o país do futebol. A conscientização das autoridades sobre o quão sério é esta problemática seria o passo inicial para que os torcedores voltem a ter segurança nos estádios.

Conclusão

Atualmente, vivemos um verdadeiro retrocesso do que já foi chamado futebol-arte.

Na época de Charles Miller, quando este chegou à Inglaterra com as regras e o método de jogar, o futebol só poderia ser praticado pela elite aristocrata, pois quando negros e pobres participavam de jogos, a elite poderia levar pontapés e serem agredidos. Não seria por coincidência vivenciarmos algo parecido até nos dias de hoje, pois são exatamente os oprimidos da sociedade que sentem-se no direito de ir além e revelar ou “descontar” suas insatisfações ou impotência diante de classes dominantes. Estes são aqueles afetados pelos problemas de ordem sócio-econômicas.

O futebol mobiliza multidões, é motivante, é uma paixão nacional, e resgatar este esporte como instrumento educativo é função da escola e, por conseqüência, dos educadores. De fato, a infância seria o melhor momento para que os verdadeiros valores da vida sejam identificados e reconhecidos por todos.

A violência nos estádios de futebol passou a ser considerado um problema de ordem social, seja de natureza intrínseca ou extrínseca, pois tomou uma proporção tão grande que tornou-se um incômodo aos interesses em torno do evento esportivo.

O futebol brasileiro precisa ser encarado com mais profissionalismo pelas instituições organizativas, dado que milhões de pessoas estão envolvidas, além do fato de que os jogadores, como protagonistas deste espetáculo, devem ter a consciência de que exercem importância muito grande na vida de várias crianças, uma vez que são o “espelho” para elas.

O Brasil precisa agir rápido, pois é crucial promover a especialização de efetivos da polícia. As autoridades públicas devem investir em recursos humanos e tecnológicos, implantar um banco de dados informatizado com um conjunto de inteligência interligada entre a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Tudo isso poderia facilitar a descobrir os envolvidos em brigas, ajudando a identificar os líderes que conflagram a violência. Há sempre um insuflador da confusão no meio da multidão, ao qual os demais seguem. Câmeras potentes e de alta definição possibilitariam ter uma visão em tempo real do que acontece nas arquibancadas, facilitando a prisão dos culpados através de uma efetiva obtenção de provas que poderiam ser fornecidas para que fossem tomadas ações estatais.

A intervenção do Estado é extremamente necessária, assim como a mobilização da sociedade civil. A responsabilidade é também dos dirigentes dos clubes profissionais e das federações de futebol. Faz-se necessário aplicar medidas políticas, jurídicas e administrativas para tentar reverter este quadro trágico ao qual o futebol hoje está associado.

O combate à violência no futebol brasileiro só será eficaz quando o tema for inserido, de fato, no contexto macro da realidade nacional. Radicalização não adianta, exigindo a eliminação das torcidas organizadas, pois isso implicaria ir contra a democracia por fechar um espaço de múltiplas convivências, agregando cidadãos de diversas classes sociais.

É necessário também que o Estado esteja presente nas periferias, com campanhas sócio-educativas de inclusão social através do esporte, em parceria contínua com as comunidades e organizações da sociedade civil.

Não resta dúvida de que a violência está caracterizada como parte intensa das camadas de toda a sociedade moderna e de que as causas políticas e sociais têm suas parcelas de culpa por tudo o que vem ocorrendo nos estádios de futebol. Com isso, cabe às autoridades públicas e a toda a sociedade contribuírem para manter o controle dentro dos estádios e também proporcionar o deslocamento dos jovens torcedores para outros movimentos de lazer.

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